segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O que penso sobre...ROUSSEAU

                                 Talvez até como uma espécie de reflexo condicionado aos moldes do que descrevi no meu Ensaio chamado “Os cachorrinhos de Pavlov”, muitos de nós tem a tendência de aceitar conceitos que foram passados mas sem que houvesse questionamento. Resume-se a uma aceitação desprovida de senso crítico unicamente porque foi sugerida por alguém ou por uma fonte supostamente mais conhecedora do tema. Dentro do contexto filosófico tem acontecido muito que certos filósofos foram apresentados como grandes expoentes de determinada área e para eles foi criada uma roupagem falsa que não resistiria à uma análise minimamente criteriosa que então esclareceria de fato quem é a personagem em questão. Então vou começar falando de um filósofo que é vendido às massas como sendo um grande homem, não só em sua época como ainda nos dias  atuais, mas que estranhamente se costuma omitir
determinados detalhes de sua biografia. Vamos falar de Jean Jacques Rousseau.
                                     Em linhas básicas, a biografia diz que nasceu em 1712 e é o grande expoente do Iluminismo, etc., etc., e muitos etc., que o leitor encontrará abundantemente em rápidas pesquisas nas ferramentas de busca, então vou me abster de entediar com esses detalhes menores. Vamos ao cerne da questão.
                          Uma das coisas que particularmente mais detesto é a hipocrisia e nesse quesito essa personagem é imbatível. Explicarei. Inicialmente, hipocrisia é a qualidade (ou falta de) daquele que não vive aquilo que prega ; atributo da pessoa que impõe às demais um modo de vida que não é o que ela própria vive ; enfim, é o velho “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”. Rousseau é exatamente isso.
                            Embora ele tenha escrito outras obras, a maioria delas se prestando à filosofia do totalitarismo, vou me ater mais detidamente a uma obra específica, chamada EMÍLIO. A bem da verdade, muitas dessas pessoas que foram condicionadas a idolatrar Rousseau como um grande homem sequer conhecem essa obra, e se limitam a citar, quando muito, o “Do Contrato Social” e “Discurso sobre a origem da desigualdade” e param por aí. Mas ele escreveu o EMILIO e ali se poderá contemplar sua desfaçatez (como se diria à época) ou sua cara-de-pau (como se diria nos dias de hoje).
                             Para entender isto tem-se que saber de que trata essa obra. Esse livro é escrito em tom alegórico e se fundamenta em ensinar os modos, meios e maneiras de como se deve educar as crianças e fazer delas cidadãos completos a partir de cuidados bem observados na sua criação e formação, ou seja, uma ênfase especialmente ao período da infância onde, segundo ele, se pode moldar a pessoa  adulta futura. E muito do que consta ali é usado até hoje como referência e até Pestalozzi bebeu nessa fonte. Ocorre que esse homem que publica essa obra tão abrangente e tão cheia de detalhes que intencionam nos ensinar a como criar e educar as crianças abandonou os próprios filhos ! Que chocante para quem não sabia disto e tinha conhecimento só da parte festiva da personalidade desse homem, então informo que ele teve 5 filhos mas não tinha a menor paciência nem amor nem interesse em tê-los perto de si, então ele simplesmente os abandonou em um orfanato e inclusive teve de pagar uma taxa extra porque não queriam aceitar as crianças, uma vez que se tratava de um orfanato e aquelas crianças não eram órfãs, tinham um pai que, embora desnaturado, era o pai delas. Mas como não há nada que o dinheiro não resolva, também esse problema foi resolvido e as crianças foram deixadas lá, abandonadas por esse grande iluminista que não quis mais saber delas e que anos mais tarde escreve o Emílio, para ensinar qual o jeito certo de educar os filhos.
                              Eu não sou filósofo, nem iluminista nem tenho a pretensão de ser algum “grande homem”, mas mesmo eu, com todas as limitações que me são inerentes e sem as supostas qualidades extraordiárias atribuídas a ele, não teria a menor coragem de abandonar nem um filhote dos meus cachorros, mas o iluminista teve a coragem de fazer isso com 5 crianças, e já seria chocante se fossem sobrinhos ou nem fossem parentes, mas tratava-se dos próprios filhos, e nisso reside a hipocrisia desse homem que após fazer essa atrocidade tem o descabimento de publicar um livro para nos dar lições de uma moral que ele mesmo nunca teve.
                               Mas a minha “implicância” com Rousseau é mais ampla e transcende esse episódio do orfanato. Ora, tinha de existir uma razão para que Rousseau fosse um dos principais filósofos do tipo “leitura obrigatória” da Esquerda. Para se verificar isso é preciso despir-se de ideologias e analisar suas outras obras sob um ângulo mais geral e ler nas entrelinhas. Aqui eu poderia começar a embrenhar-me em análises aprofundadas a respeito de suas obras, mas tenho para mim a impressão de que se eu fizesse isso iria tornar esse trabalho demasiado enfadonho então vamos à versão resumida.
                               Esse homem é, de direito e de fato, um filósofo do autoritarismo e por isso mesmo idolatrado pelas Esquerdas, que também ambicionam a implementação de uma sociedade na qual elas ditem as regras. Esqueça Marx, que só deu o enfoque econômico do Socialismo ; homens como Louis Althusser, Gramsci, Lukacs e Rousseau estão muito mais ao gosto das Esquerdas porque pregam certos conceitos que aos poucos vão deixando de ser utopias e vão se implementando com o avanço dessa vertente política no cenário mundial. Especificamente sobre Rousseau se pode dizer que, resumidamente, o “Discurso sobre a origem da desigualdade” prega basicamente que  a origem da desigualdade entre homens é a noção de propriedade privada, que se não existisse todos seriam felizes, o que dá origem a um Estado que detem a posse de tudo de maneira que perante ele todos são iguais e sem propriedades privadas. E o “Do Contrato Social” , onde ele novamente aborda as convenções sociais e sugere que “contrato” nesse caso é uma espécie de acordo entre os indivíduos que, cientes de que é a sociedade e o Estado que degeneram o Homem, devem é tentar fugir disso pois segundo sua filosofia o Homem nasce bom mas a sociedade o estraga, e então prega uma espécie de “proto-anarquismo”. É uma espécie de direito à autodeterminação pessoal e o povo tem de pensar como uma só pessoa para ter força de se opor ao Estado, que então nesse contexto não determina nada, só gerencia. Fala muito em povo, sempre o povo determinando tudo, e não é por outra razão que em certos sistemas políticos que usaram também os conceitos rousseaunianos, as instituições sempre tem eufemisticamente um nome que faça parecer que aquilo se rege pela autoridade do povo, daí temos que, por exemplo, na China, cujo nome é República Popular da China, existe o “Exército do Povo”, a “Força Aérea do Povo”, o “Banco Central do Povo”, etc., idem na Rússia onde  até acontecer a  Queda do Muro era notória a quantidade de instituições com esses nomes sempre falando em “do povo” e “popular”, quando na verdade se tratava de ditaduras onde o povo não tinha nenhuma voz ativa. Hipocrisia, bem ao estilo de Rousseau.
                                Obviamente que não estou tentando cometer o disparate de dizer que Rousseau não tenha acrescentado nada à Filosofia e que sua obra seja desprovida de valor. O que eu contesto é essa imagem que foi falsamente atribuída a ele onde, no mais das vezes, se esconde o real significado das suas teorias e se fazem omissões em sua biografia. Se algo teve de ser omitido é sempre interessante descobrir o por que alguém achou necessário deixar de contar a história completa.

 
                                                                              Daniel de Ávila
                                                                                     Escritor
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